Apesar de adorar fotografia, admito ser péssima no assunto. Enquadramento, iluminação, profundidade...não consigo ter toda essa noção na hora "do passarinho". Mas, das longas horas de Introdução à Fotografia e de Fotojornalismo, uma frase de um fotógrafo de guerra eu não me esqueço:
Se uma foto não está suficientemente boa, é porque você não se aproximou suficientemente do fato (Robert Capa).
Nessa minha saga de jornalista policial, ou quase de guerra, percebo que a frase de Capa deve ser vista como regra no meu dia a dia. E é aí onde eu encontro a minha maior dificuldade.
Conversar com artistas, políticos, coordenadores ou manifestantes é fácil.
Difícil é se aproximar de quem acabou de ser preso, que acabou de matar alguém, que teve o filho baleado ou viu o marido ser assassinado.
Eu ainda não consigo ter essa frieza e distância de perguntar o que aconteceu sem, de alguma forma, acabar me envolvendo. Para falar a verdade, não sei se um dia terei essa capacidade.
O fato é que, me envolvendo ou não, eu tenho que me aproximar.
Em mais uma fatídica sexta-feira, eu fui cobrir a prisão de três homens que tentaram assaltar um depósito de gás em Samambaia. Chegando lá, a cena clássica: policiais de peito estufado e sorriso de missão cumprida, repórteres e fotógrafos, as vítimas do assalto e os três rapazes espremidos dentro do camburão.
Primeiramente, conversei com o policial para saber com detalhes o que havia acontecido. Parando aí, a matéria estaria quase pronta. Talvez faltaria só falar com o dono do local para pegar umas aspas e confirmar as informações. Mas me lembrei da exigência de se aproximar ao máximo, e pedi licença para conversar com os adolescentes.
Lá fui eu. Ao meu lado, o policial. A minha frente, os três rapazes dentro de um camburão extremamente fedido. Nessas horas, o que perguntar? Na minha cabeça não vinha nada. Só sabia que, independente de com quem se está falando, o jornalista deve sempre ser educado e respeitoso.
Cheguei me identificando e pedindo licença para uma conversa. Para a minha surpresa e sorte, os meninos queriam conversar. De primeira perguntei se eles sabiam que tinha gente dentro do depósito.
A conversa evoluiu de tal modo que eles me contaram com tremenda naturalidade que a ideia não era assaltar o depósito, e sim usá-lo como um esconderijo. Os três teriam saído de casa para matar o namorado da irmã de um deles, que teria batido nela. Neste momento o policial mandou eles pararem de mentir, afirmando que queriam assaltar sim, e que inclusive entraram pedindo dinheiro e fazendo os donos de refém.
Confirmei o fato com os donos do estabelecimento, e admito quase ter acreditado na história que seria até bonita se não fosse tão absurda. Me chocou a naturalidade que três jovens de 18 e 22 anos falavam em matar alguém.
Independente se a história era inventada ou não, acredito que o papel do jornalista é contar o que viu e ouviu - sabendo definir o que era verdade e mentira. Na matéria escrevi a versão dos meninos, e enfatizei o que confirmaram os donos e policiais. Acho importante essa aproximação não somente para enriquecer a matéria, mas para, de alguma forma, dar voz àqueles que dificilmente terão algo a dizer.