quarta-feira, 3 de março de 2010

Me aproximando de um outro mundo

Apesar de adorar fotografia, admito ser péssima no assunto. Enquadramento, iluminação, profundidade...não consigo ter toda essa noção na hora "do passarinho". Mas, das longas horas de Introdução à Fotografia e de Fotojornalismo, uma frase de um fotógrafo de guerra eu não me esqueço:

Se uma foto não está suficientemente boa, é porque você não se aproximou suficientemente do fato (Robert Capa).

Nessa minha saga de jornalista policial, ou quase de guerra, percebo que a frase de Capa deve ser vista como regra no meu dia a dia. E é aí onde eu encontro a minha maior dificuldade.

Conversar com artistas, políticos, coordenadores ou manifestantes é fácil.
Difícil é se aproximar de quem acabou de ser preso, que acabou de matar alguém, que teve o filho baleado ou viu o marido ser assassinado.

Eu ainda não consigo ter essa frieza e distância de perguntar o que aconteceu sem, de alguma forma, acabar me envolvendo. Para falar a verdade, não sei se um dia terei essa capacidade.

O fato é que, me envolvendo ou não, eu tenho que me aproximar.

Em mais uma fatídica sexta-feira, eu fui cobrir a prisão de três homens que tentaram assaltar um depósito de gás em Samambaia. Chegando lá, a cena clássica: policiais de peito estufado e sorriso de missão cumprida, repórteres e fotógrafos, as vítimas do assalto e os três rapazes espremidos dentro do camburão.

Primeiramente, conversei com o policial para saber com detalhes o que havia acontecido. Parando aí, a matéria estaria quase pronta. Talvez faltaria só falar com o dono do local para pegar umas aspas e confirmar as informações. Mas me lembrei da exigência de se aproximar ao máximo, e pedi licença para conversar com os adolescentes.

Lá fui eu. Ao meu lado, o policial. A minha frente, os três rapazes dentro de um camburão extremamente fedido. Nessas horas, o que perguntar? Na minha cabeça não vinha nada. Só sabia que, independente de com quem se está falando, o jornalista deve sempre ser educado e respeitoso.



Cheguei me identificando e pedindo licença para uma conversa. Para a minha surpresa e sorte, os meninos queriam conversar. De primeira perguntei se eles sabiam que tinha gente dentro do depósito.

A conversa evoluiu de tal modo que eles me contaram com tremenda naturalidade que a ideia não era assaltar o depósito, e sim usá-lo como um esconderijo. Os três teriam saído de casa para matar o namorado da irmã de um deles, que teria batido nela. Neste momento o policial mandou eles pararem de mentir, afirmando que queriam assaltar sim, e que inclusive entraram pedindo dinheiro e fazendo os donos de refém.

Confirmei o fato com os donos do estabelecimento, e admito quase ter acreditado na história que seria até bonita se não fosse tão absurda. Me chocou a naturalidade que três jovens de 18 e 22 anos falavam em matar alguém.

Independente se a história era inventada ou não, acredito que o papel do jornalista é contar o que viu e ouviu - sabendo definir o que era verdade e mentira. Na matéria escrevi a versão dos meninos, e enfatizei o que confirmaram os donos e policiais. Acho importante essa aproximação não somente para enriquecer a matéria, mas para, de alguma forma, dar voz àqueles que dificilmente terão algo a dizer.